A guerra de informação apropriou-se da “anti-corrupção” e tornou-a já uma das suas armas mais eficazes.
José Mateus | jornal ‘Tornado’ | 10 Set. 2017
Ao olhar o mundo quer o rodeia, um qualificado “information warrior” (John Rendon (1) foi dos primeiros a definir-se como tal, em 1998) percebe que tem todo o interesse e vantagens variadas em integrar a “luta contra a corrupção” no seu arsenal. E dar-lhe sábio uso em qualquer guerra de informação que desencadeie contra qualquer alvo. Que ele tenha ou não tenha sido tocado pela corrupção não importa. É mesmo o que menos importa.
“Embrulhar” um alvo a abater numa acusação de
corrupção (mesmo que muito vaga e infundada) é garantia de sucesso mediático. A
partir daí, as “caixas de ressonância” (do Correio da Manhã ao Facebook e ao
Twitter) não vão dar descanso ao assunto e nem ao pobre do visado).
A maionese agarra, a estratégia começa a ganhar consistência,
quando, por acaso ou através de um bem arquitectado expediente, consegue
instrumentalizar alguns magistrados ou polícias. Então, o alvo já não escapa e
vai ter de focar toda a sua energia e todos os seus recursos no provar da sua
inocência...
Uma instrumentalização deste tipo, segundo corre em
meios bem informados, terá sido tentada com a Autoridade da Concorrência, no
campo dos serviços portuários. A AdC não se terá imediatamente apercebido da
tentativa de manipulação e terá tido depois alguma dificuldade em encontrar uma
estratégia de recuo...
Como o tempo mediático e o da guerra de informação são
muito diferentes do tempo da “justiça”, de nada valerá ao alvo obter,
finalmente, uma absolvição em tribunal, ao fim de largos anos de via dolorosa.
Quando tal absolvição chegar (supondo que chega...), a
reputação do alvo estará há muito destruída, depois de arrastada pelas ruas da
amargura e por lodaçais sem fim, e estarão também há muito resolvidos os
negócios reais (económicos, políticos ou outros) de que tinha sido necessário
afastar o alvo e que haviam exigido e justificado o desencadear da guerra de
informação.
E acresce ainda que mesmo a credibilidade dessa
absolvição pode sempre ser posta em dúvida...
Os modelos deste tipo de guerra estão (nas suas linhas
gerais) estudados e estabelecidos. Ensinam-se, aliás, no nível dos mestrados em
algumas (poucas) escolas europeias (nenhuma portuguesa, porém) e americanas. Na
Rússia e na China, o seu ensino é de acesso muito restrito e está reservado a
“academias” especiais. Ao lado destes modelos, os velhos esquemas da
“dezinformatie” do vademecum do KGB (tão bem mostrados por Vladimir Volkoff)
até parecem brincadeiras infantis...
Quer dizer, na guerra económica (protagonizada por
empresas ou por Estados) pela conquista de mercados, de investimentos e de
cadeias de valor ou pelo controlo de fileiras tecnológicas, a guerra de
informação é uma arma imprescindível.
O maquiavelismo do “information warrior” consiste aqui
no virar a seu favor e colocar ao serviço do seu cliente as ânsias de
“transparência” e os sentimentos “anti-corrupção” que imperam nas sociedades
mediáticas, dominadas pelo imediatismo e pela emoção.
Que querem a “opinião pública” e, sobretudo, a
“opinião publicada”? Que é que elas mais detestam? Então, é nisso mesmo que o
alvo a abater ou afastar do negócio ou das eleições ou, porque não, até de um
amor, vai ser “embrulhado”... Claro, como poetava o velho António Aleixo (avô
do meu amigo Vítor), “pra mentira ser certeira e atingir profundidade, tem de
trazer à mistura qualquer coisa de verdade”.
Nestas guerras, definir a estratégia, montar as cenas,
instrumentalizar jornalistas, magistrados e polícias, são assuntos para
especialistas.
Não há, então, nada a fazer contra uma bem montada
guerra de informação? Há, claro que há. Mas também isso é assunto para
especialistas.
Em todo o caso, uma coisa não pode ser feita (e, por
costume, é-o...) sob pena de seguir direitinho ao desastre e à derrota:
enfrentar uma guerra de informação com a costumeira panóplia das chamadas
“relações públicas”.
Foi o que fez José Sócrates (por exemplo) e veja-se o
que lhe aconteceu (e isto nada tem a ver com o ele ser inocente ou ser culpado
que é assunto para juízes e tribunais, talvez daqui a uns meses).
Mas como, com rigor e humor, escreveu o Ryan Holiday
(que sabe muito bem do que fala...), “Creia em mim, estou a mentir”.
1. John Rendon, o fundador do Rendon Group: “In a 1998 speech to
the National Security Conference (NSC), company founder John
Rendon described himself as "an information warrior, and a perception
manager. This is probably best described in the words of Hunter S. Thompson,
when he wrote 'When things turn weird, the weird turn pro.'"
O denunciante que enganou a polícia, o procurador e o juiz
ResponderEliminarCaso corrente de instrumentalização e manipulação da “Justiça”, exposto pelo jornalista António José Vilela, em recente edição da revista ‘Sábado’
http://www.sabado.pt/portugal/politica/detalhe/o-denunciante-que-enganou-a-policia-o-procurador-e-o-juiz