O negócio nuclear iraniano
16 Julho, 2019 | Paulo Casaca, em Bruxelas | Tornado
A lógica fundamental do acordo nuclear iraniano é a
mesma dos que foram feitos com a Coreia do Norte nas últimas décadas: em troca
de compromissos pouco sólidos e de verificação nebulosa, os Estados Unidos e a
comunidade internacional financiavam o infractor das regras internacionais
anti-proliferação.
A campanha de
desinformação
Foi a 5 de Maio de 2006 que David Samuels publica no
‘New York Times Magazine’ o mais notável trabalho de reportagem jornalística
que eu já li na vida e que tenho citado muitas vezes, mas não as suficientes
dado o silêncio geral a que ele tem sido submetido.
Na esteira dos clássicos do epígono do jornalismo de
investigação/reportagem/entrevista Bob Woodward (consagrado pelo Watergate),
David Samuels ultrapassa-o em rigor e oportunidade.
No centro da investigação, Ben Rhodes – vice
conselheiro de Segurança Nacional para as comunicações estratégicas – cargo e
personagem de que, antes da publicação desta peça, a generalidade dos mortais
(eu incluído) ignorava a existência e mais ainda o lugar central que
desempenhou no negócio nuclear iraniano de 2015.
Nas palavras do responsável pelas ‘comunicações
estratégicas’ esteve a montagem pela Administração Obama de uma ‘Câmara de Eco’
que reproduziu a propaganda iraniana e que consistiu na generalidade da
imprensa internacional. Em trabalho de investigação que eu realizei sobre as
contas de Twitter de Ben Rhodes e uma das suas adjuntas foi possível
identificar as mensagens de propaganda iraniana que Rhodes identificou como
‘Câmara de Eco’. Elas incluem a generalidade da imprensa anglo-saxónica’ tida
como ‘de referência’.
A reportagem de Samuels – sendo muitíssimo boa – para
à porta da questão essencial que é a de saber quem pagou a montagem de uma
campanha desta natureza que terá certamente sido multimilionária, e aqui, para
além de algumas generalidades, Samuels apenas consegue obter de Rhodes a
seguinte lista: (1) ‘Ploughshares Fund’ (2) Projecto Irão e (3) anónimos.
Sendo as duas primeiras fontes facilmente
identificadas como pilares financeiros do regime iraniano nos EUA, creio, tal
como Samuels, que a colossal dimensão da campanha de desinformação iraniana
terá que ter contado com apoios suplementares, sobre os quais tenho hipóteses
mas não tenho certezas.
O que me parece deveras significativo é que a
Administração Trump, que como sabemos denunciou o negócio nuclear, nunca se
tenha dado ao trabalho de mandar investigar essas anónimas contribuições, o que
suponho só se pode explicar pelo facto dessas contribuições anónimas serem
oriundas do ‘big-business’ que provavelmente tanto financiou os negócios
iranianos de Obama como financiou os concorrentes e possíveis sucessores (a
começar por Donald Trump) justamente para se precaver de investigações desse
tipo.
Quer isto dizer que sem capacidade independente de
investigação nunca conseguiremos entender campanhas de desinformação como esta
que, contrariamente ao que nos querem fazer crer, nada teve a ver com o Kremlin
(a ‘Ploughshares’ foi criada como máquina de propaganda soviética nos EUA nos
anos sessenta, mas desde a morte e substituição da sua fundadora por um iraniano,
membro proeminente do lobby do regime, passou a ser a peça financeira central
do regime iraniano nos EUA).
O desastre
negocial
A lógica fundamental do acordo nuclear iraniano é a
mesma dos que foram feitos com a Coreia do Norte nas últimas décadas: em troca
de compromissos pouco sólidos e de verificação nebulosa, os Estados Unidos e a
comunidade internacional financiavam o infractor das regras internacionais
anti-proliferação.
O resultado já largamente constatado na Coreia do
Norte é que em vez de constituir um incentivo à restrição nuclear este tipo de
negócio tornou-se um incentivo à proliferação nuclear, no sentido em que as
infracções suscitavam novos acordos que se traduziam em mais contrapartidas
financeiras.
A Administração Obama doou mais de 150 biliões de
dólares – uma parte significativa, em numerário, forma de facilitar o pagamento
aos numerosos grupos terroristas financiados por Teerão – mas agora o Irão quer
mais, com o especioso argumento de que a Europa deve pagar as consequências do
facto de a administração Trump não ter mantido o negócio feito pela
administração que o precedeu.
Aquilo a que assistimos com o Irão a propagandear a
quebra do acordo, exigindo mais dinheiro, agora da Europa, é pura chantagem,
como de resto o afirmou o Departamento de Estado americano e repete o guia do
que se passou antes com a Coreia do Norte.
A grande diferença entre a negociação com a Coreia do
Norte e com o Irão é que no caso do Irão o dinheiro foi directamente investido
no recrutamento de milícias, financiamento de terrorismo e operações militares
em toda a região (Paquistão, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbano, Iémen e
Estados do Golfo) e a monarquia coreana da dinastia Kim tem ambições mais
modestas.
Esta negociação, como a de Munique e tantas outras, foi
naturalmente feita em nome da paz embora seja a forma mais rápida de promover a
guerra.
As alternativas
Mas claro que há alternativas à guerra, embora quanto
mais tardias, mais difíceis e de resultados mais incertos. Elas compreendem um
leque vasto e integrado de políticas.
Em primeiro lugar, a contenção. Nenhum ataque deve
ficar sem resposta, respeitando lógicas de proporcionalidade e reciprocidade, e
a máxima atenção tem de ser dada ao dispositivo iraniano que já está no
terreno.
O Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (CGRI) é
o principal corpo armado fanático internacional, sendo que o chamado ISIS é
apenas uma sua cópia com muito menos alcance e importância geoestratégica.
O primeiro objectivo é o de o conter, designando-o
como uma organização criminosa inimiga e combatendo-a por todo o mundo,
começando pelo território iraniano, onde qualquer relação com o CGRI deve ser
proscrita.
Combater o CGRI – e alguns grupos clientes externos
como o Hamas – em toda a região impedindo o recrutamento, a fanatização, o
comércio (nomeadamente o tráfico de estupefacientes) a sua organização,
financiamento e armamento.
Identificar, perseguir e desmontar todas as células e
toda a organização do CGRI em todo o resto do mundo, começando naturalmente nos
países onde é mais fácil fazê-lo mas não deixando de lado a região do mundo
onde o CGRI está em mais rápida expansão dada fragilidade dos Estados para lhe
fazer face (África subsaariana).
Proscrever a polícia política iraniana e toda a rede
de espionagem e desinformação que hoje em dia funciona com quase total
tranquilidade, nos EUA, no Reino Unido ou na Europa. Apesar de os agentes
iranianos usarem abertamente as suas embaixadas para promover terrorismo e
desestabilização, no último ano apenas a Albânia expulsou o Embaixador iraniano
e os Países Baixos expulsaram alguns conselheiros ligados a assassínios
políticos nesse país. Nem a Áustria, nem a Alemanha, nem a França nem a Bélgica
expulsaram quaisquer diplomatas iranianos apesar de o envolvimento da
diplomacia iraniana em atentados nos territórios desses países ser claro.
Apoiar a oposição iraniana. Aqui, penso ser claro que
não deve haver apoio a qualquer grupo que faça a luta armada em território
iraniano, mas penso que é necessário apoiar o povo iraniano nas suas múltiplas
manifestações contra o regime fascista, seja no domínio laboral, da luta das
mulheres contra a misoginia ou dos jovens contra o obscurantismo.
A luta nos domínios informativo, cultural e filosófico
tem que ser travada sem tréguas. Os agentes islamistas actuam abertamente e em
total liberdade em numerosas associações que pretendem defender o ‘Islão’, a
‘Palestina’, atacar o ‘Imperialismo’ ou onde já ganharam mais margem de manobra
atacam abertamente as mulheres, orientações sexuais minoritárias ou correntes
progressistas.
Até agora, para além da desmontagem em França de uma
célula que se afirmava como ‘Boicote Desinvestimento, Sanção’ de Israel, nada
ou quase nada se faz entre nós, com os agentes iranianos a movimentar-se com
enorme à vontade nos EUA, Reino Unido ou Alemanha.
Os currículos escolares iranianos – à imagem de toda a
propaganda do Estado – promovem o ódio, o suprematismo religioso, a
intolerância e o imperialismo. Deve ser promovido um combate sem tréguas à
doutrinação fanática dentro ou fora de portas.
E por último, proscrever todos os que entre nós
aceitam vender-se para promover os interesses da teocracia. São os mais
perigosos adversários que temos pela frente.
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