sábado, 14 de dezembro de 2019

O Que Revelam as Cimeiras da NATO e do Clima


As recentes cimeiras da NATO, em Londres, e do clima, em Madrid, vieram tornar claras três coisas. 

Primeira, a transição geopolítica em curso na Europa, com ou sem fim do guarda-chuva americano, exige investimentos pesados na Defesa e Segurança.

Segunda, a transição na política climática, servida por uma dramatizada gestão da percepção, com mais ou menos Greta, exige toda uma reformulação do modelo económico europeu e, portanto, mais e muitos investimentos pesadíssimos.

Terceira, a incapacidade da Europa para financiar estas transições sem um insuportável agravamento das condições económicas de vida de 99% da sua população, sendo que esta já manifesta nas ruas e nas urnas a sua recusa de tal agravamento e que também é claro não terem as actuais classes dirigentes europeias condições políticas para impor à imensa maioria da população o pagamento de tais transições.


A transição climática vai, portanto, gerar uma situação de fractura, de fragmentação social e, como já alguém colocou a questão, vai ser a guerra entre os que estão preocupados com a chegada do “fim do mundo” e os que estão angustiados para chegar ao fim do mês...

A transição climática, que tão dramatizada tem estado a ser, também vai levar a “Europa” a chocar com a sua impotência real: os grandes poluidores (China, India e ainda os USA) vão obviamente ignorar esta dramatização europeia e suas políticas fantasiosas e gerir as coisas em função dos seus interesses nacionais.

Mesmo dentro da União Europeia, o grande poluidor europeu (a Alemanha, claro) vai gerir as coisas no seu interesse nacional e deixar que os outros se agitem enquanto passa a caravana alemã do carvão e da indústria química...

É bom não esquecer que o primeiro trabalho sério sobre a necessidade de uma transição energética e as consequências das alterações climáticas (e que tem já cerca de 20 anos!) é da autoria do... Pentágono! Quem o não leu, na altura, teria toda a conveniência, ainda hoje, em procurá-lo e estudá-lo.

As elites neo-liberais, até agora reinantes neste Ocidente em radical mudança, mostram-se impotentes para transferir para os assalariados (privados e públicos, classe média incluída) os custos destas transições. As revoltas populares dos eleitores (nas ruas ou nas urnas) trazem, entretanto, as provas de que a UE falhou totalmente na tentativa berlinense-bruxelense de substituir as culturas nacionais por uma “cultura europeia”.

As várias formas das revoltas populares trazem ao de cima as suas diferentes culturas nacionais. Os ingleses mandam a UE à fava com um Brexit muito democraticamente expresso, confirmado e reconfirmado nas urnas, bem à britânica. E acabam, aliás, de despedir uma grande parte da sua classe política, aquela que está agarrada por tudo aquilo que as urnas inglesas rejeitam desde 2016.

Os franceses fazem na rua o que, em toda a Europa, só eles são capazes e como só eles sabem fazer e encostam às cordas a sua descredibilizada e deslegitimizada elite política.

Os italianos recuperam a sua tradição de ir buscar à esquerda o leader da direita, capaz de a conduzir no assalto ao poder com um programa disruptivo e “nunca antes visto”. Recorde-se que Salvini foi eleito a primeira vez numa lista de “foice e martelo”...

A Alemanha retoma os seus velhos e bárbaros hábitos de recurso a uma extrema-direita brutal, anti-semita e “popular”.

No leste da UE (Polónia, Hungria, etc.) os tipos de reacção são igualmente manifestações das culturas nacionais e, caso muito específico, dos fantasmas, traumas e medos das décadas de domínio soviético.

Estas reacções nacionais têm ainda o poder de cruzar a recusa da degradação económica das condições de vida com as questões colocadas pela geopolítica e, logo, da definição do “inimigo”, das preferências e dos sistemas de alianças... O mundo não é bem o mesmo se visto de Varsóvia ou de Berlim ou de... Lisboa.

A transição geopolítica, por seu lado, vai, com maior ou menor rapidez mas inevitavelmente, fracturar a “Europa” e reformular os sistemas de alianças e uma também inevitável recomposição da “aliança marítima” face ao que já é referido como o eixo Berlim-Moscovo-Pequim, o “eixo continentalista”.

As questões da geopolítica e os efeitos das revoltas populares marcaram a cimeira do clima em Madrid, embora todo o folclore mediático montado à volta de Greta o tenha ocultado. Esta cimeira sempre esteve marcada para Santiago do Chile mas a revolta popular naquele país sul-americano (e nos restantes países à sua volta...) fez desaparecer as mínimas condições de segurança obrigando a que a cimeira tivesse de mudar, à última hora, não só de país como também de continente.

Este é um facto político (e geopolítico) de importância capital  e, como tal, deveria merecer alguma visibilidade e reflexão, mas a presença de Greta “vendia” mais.
 
A fechar esta cimeira de Madrid, um brasileiro veio colocar o dedo na ferida e fazer a síntese: “Querem uma bela Amazónia, paguem-na!”

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