As recentes cimeiras da NATO, em Londres, e do clima,
em Madrid, vieram tornar claras três coisas.
Primeira, a transição geopolítica em curso na Europa,
com ou sem fim do guarda-chuva americano, exige investimentos pesados na Defesa
e Segurança.
Segunda, a transição na política climática, servida por
uma dramatizada gestão da percepção, com mais ou menos Greta, exige toda uma
reformulação do modelo económico europeu e, portanto, mais e muitos investimentos
pesadíssimos.
Terceira, a incapacidade da Europa para financiar estas
transições sem um insuportável agravamento das condições económicas de vida de
99% da sua população, sendo que esta já manifesta nas ruas e nas urnas a sua
recusa de tal agravamento e que também é claro não terem as actuais classes
dirigentes europeias condições políticas para impor à imensa maioria da
população o pagamento de tais transições.
A transição climática vai, portanto, gerar uma situação
de fractura, de fragmentação social e, como já alguém colocou a questão, vai
ser a guerra entre os que estão preocupados com a chegada do “fim do mundo” e
os que estão angustiados para chegar ao fim do mês...
A transição climática, que tão dramatizada tem estado a
ser, também vai levar a “Europa” a chocar com a sua impotência real: os grandes
poluidores (China, India e ainda os USA) vão obviamente ignorar esta
dramatização europeia e suas políticas fantasiosas e gerir as coisas em função
dos seus interesses nacionais.
Mesmo dentro da União Europeia, o grande poluidor
europeu (a Alemanha, claro) vai gerir as coisas no seu interesse nacional e
deixar que os outros se agitem enquanto passa a caravana alemã do carvão e da
indústria química...
É bom não esquecer que o primeiro trabalho sério sobre
a necessidade de uma transição energética e as consequências das alterações
climáticas (e que tem já cerca de 20 anos!) é da autoria do... Pentágono! Quem
o não leu, na altura, teria toda a conveniência, ainda hoje, em procurá-lo e
estudá-lo.
As elites neo-liberais, até agora reinantes neste
Ocidente em radical mudança, mostram-se impotentes para transferir para os
assalariados (privados e públicos, classe média incluída) os custos destas
transições. As revoltas populares dos eleitores (nas ruas ou nas urnas) trazem,
entretanto, as provas de que a UE falhou totalmente na tentativa
berlinense-bruxelense de substituir as culturas nacionais por uma “cultura
europeia”.
As várias formas das revoltas populares trazem ao de
cima as suas diferentes culturas nacionais. Os ingleses mandam a UE à fava com
um Brexit muito democraticamente expresso, confirmado e reconfirmado nas urnas,
bem à britânica. E acabam, aliás, de despedir uma grande parte da sua classe
política, aquela que está agarrada por tudo aquilo que as urnas inglesas
rejeitam desde 2016.
Os franceses fazem na rua o que, em toda a Europa, só
eles são capazes e como só eles sabem fazer e encostam às cordas a sua
descredibilizada e deslegitimizada elite política.
Os italianos recuperam a sua tradição de ir buscar à
esquerda o leader da direita, capaz de a conduzir no assalto ao poder com um
programa disruptivo e “nunca antes visto”. Recorde-se que Salvini foi eleito a
primeira vez numa lista de “foice e martelo”...
A Alemanha retoma os seus velhos e bárbaros hábitos de
recurso a uma extrema-direita brutal, anti-semita e “popular”.
No leste da UE (Polónia, Hungria, etc.) os tipos de
reacção são igualmente manifestações das culturas nacionais e, caso muito
específico, dos fantasmas, traumas e medos das décadas de domínio soviético.
Estas reacções nacionais têm ainda o poder de cruzar a
recusa da degradação económica das condições de vida com as questões colocadas
pela geopolítica e, logo, da definição do “inimigo”, das preferências e dos
sistemas de alianças... O mundo não é bem o mesmo se visto de Varsóvia ou de
Berlim ou de... Lisboa.
A transição geopolítica, por seu lado, vai, com maior
ou menor rapidez mas inevitavelmente, fracturar a “Europa” e reformular os
sistemas de alianças e uma também inevitável recomposição da “aliança marítima”
face ao que já é referido como o eixo Berlim-Moscovo-Pequim, o “eixo
continentalista”.
As questões da geopolítica e os efeitos das revoltas
populares marcaram a cimeira do clima em Madrid, embora todo o folclore
mediático montado à volta de Greta o tenha ocultado. Esta cimeira sempre esteve
marcada para Santiago do Chile mas a revolta popular naquele país sul-americano
(e nos restantes países à sua volta...) fez desaparecer as mínimas condições de
segurança obrigando a que a cimeira tivesse de mudar, à última hora, não só de
país como também de continente.
Este é um facto político (e geopolítico) de importância
capital e, como tal, deveria merecer
alguma visibilidade e reflexão, mas a presença de Greta “vendia” mais.
A fechar esta cimeira de Madrid, um brasileiro veio
colocar o dedo na ferida e fazer a síntese: “Querem uma bela Amazónia,
paguem-na!”
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