Breve comentário crítico ao Plano de Recuperação Económica e Social Portugal 2020-2030, do prof. António Costa e Silva
Amadeu Basto Lima | 23/07/2020
Concordando em linhas gerais com o plano apresentado, considero ser uma grande oportunidade para restabelecermos uma visão estratégica atlântica.
Importa esclarecer que nunca houve em Portugal qualquer dilema quanto à vocação atlântica. Com efeito, desde o séc. XIII que o nosso posicionamento é claramente atlântico, veja-se os estudos quer da prof. Virgínia Rau quer do Prof. Veiga Simões, dois historiadores qualificados que estudaram a importância da nossa presença na Flandres e na Inglaterra desde essa época. Depois os Descobrimentos acentuaram claramente essa vocação, fazendo de Lisboa a capital atlântica da Europa. Na verdade Portugal só voltou as costas ao mar nas últimas décadas.
O plano de recuperação se for bem delineado, como parece ser intenção do Governo, deverá ser mais ambicioso.
Assim:
- As infra-estruturas de alta velocidade deverão fazer a ligação transversal de Faro a Braga, passando por Beja, Lisboa e Porto. Utilizando também a ferrovia de mercadorias, poderá, assim, estabelecer-se em rede, a ligação dos portos de Sines e Leixões à Europa via Espanha, mas também, os portos de Viana do Castelo, Setúbal e Lisboa e aos aeroportos. Permitirá ainda ligar Lisboa ao aeroporto de Beja em AV, vocacionado para voos intercontinentais. O apeadeiro do Montijo para voos low-cost, não se justifica, para isso, basta o aeroporto da Portela.
- A aposta no hidrogénio, com está previsto, só terá viabilidade se for inserido num contexto de novas motorizações, com redução de emissões de CO2, i.e., só com parcerias na fileira da indústria automóvel; além disso é um projecto ainda com um elevado grau de imaturidade, pelo que em vez de se traduzir em maior crescimento económico, poderá ter o efeito perverso de aumentar os custos de produção, se for para favorecer as fotovoltaicas. Não podemos ser utilizados como cobaias e depois, suportar prejuízos se o projecto não tiver êxito.
- Privilegiar uma estratégia de sustentabilidade ambiental, centrada na regularização e represamento de águas, uma lacuna do «Plano», considerando dois rios estruturantes, como o Tejo e o Mondego e, naturalmente a «arca de água», i.e., a Serra da Estrela. Deverão assim concretizar-se dois projectos à demasiado tempo adiados, as barragens do Ocreza e a de Girabolhos.
- A criação da Universidade do Atlântico funcionando em rede com a da Madeira e as do Continente poderá favorecer uma investigação em grande escala dos enormes recursos do mar português que é da nossa responsabilidade desenvolver.
- Na área das indústrias da Defesa temos um cluster muito interessante e com grande potencial que deveria ser também relançado, sendo desenvolvidas parcerias com parceiros estratégicos.
- Na área da Agricultura, verifico algum déficit de informação sobre os projectos em curso e que devem ser potenciados. Dou como exemplo o Agrio et Emulsio – Desenvolvimento de emulsões alimentares. Trata-se de um projecto coordenado pela Engª Maria Gabriela Basto de Lima PhD, do Instituto Politécnico de Santarém, que com enormes potencialidades. Importa investigar e desenvolver um cluster alimentar mais qualificado e saudável que possa vir a ter impacto numa nova dieta alimentar. Este projecto tem financiamento europeu. Entretanto, um grupo indiano de investigação no ramo alimentar estabeleceu uma parceria com aquele instituto, no sentido de introduzir plantas orientais na Europa com benefícios para a saúde e outras áreas, cuja adequação às condições edafoclimáticas europeias estão a ser estudadas.
- Importa salientar, ainda, um dos maiores óbices à realização do Plano de recuperação a questão demográfica que justifica uma estratégia e acções que evitem a sangria anual de jovens qualificados que saem do país por não terem oportunidades em Portugal, bem como, travar a quebra constante da taxa de natalidade.
- Quanto à economia digital, uma das importantes apostas anunciadas pelo Conselho Europeu, constata-se que a China e o seu 5G terão perdido a guerra. As apostas a seguir serão naturalmente com a Índia e Bangalore que é um enorme centro de investigação e desenvolvimento tecnológico. Portugal aqui está muito bem posicionado. Aliás, a senhora Merkel sinalizou isso mesmo ao oferecer a António Costa uma prenda muito significativa: um mapa de Goa do Séc. XVI.
Considere, pois, António Costa a sua virtuosa costela goesa e afirme-se como grande estadista europeu e atlântico. É uma oportunidade de ouro que não se repete.
ABL, 23/07/2020
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