terça-feira, 11 de maio de 2021

Vulnerabilidades e Outros Problemas desta República

Não é corrente ver um alto dirigente político identificar em público os problemas estratégicos do País e as preocupantes vulnerabilidades desta República. Mas é precisamente isso que fez o dirigente socialista Vítor Ramalho em artigo estampado no “Público”, a propósito do 47º aniversário do “25 de Abril”. Apontadas vulnerabilidades gritantes, a conclusão do autor impõe-se: para encontrar uma saída, é preciso começarmos a pensar para além da "espuma dos dias"... Pela alta importância política do gesto e porque decisores e ‘opinion makers’ deste Portugal à beira mar encalhado muito ganharão em o ler e meditar, aqui se regista este “Grito de Alerta”.

Há uma causa maior que deve unir os portugueses, implicando isso a revisitação do projeto que nasceu numa manhã límpida e pura. O futuro deve assentar na estratégia e daí este grito, que é de alerta.

Público | 10 de Maio de 2021, 0:20

Há escassos dias comemorámos quarenta e sete anos de um projeto de futuro que a todos civicamente sobressaltou.

De então para cá demos passos de gigante.

Todavia, tal como o Mosteiro dos Jerónimos, que com a sua atratividade e simbolismo tem capelas imperfeitas, também no projeto não cuidámos para a sua edificação de partes importantes que lhe reforçassem a robustez para poder suportar todas as adversidades.

Surgiram fissuras.

O jardim que o rodeia não foi cuidado fazendo nascer e crescer erva daninha.

Fomos transigentes na construção, ou porque hipotecámos a terceiros parte dos alicerces, ou porque sem fiscalização condescendemos perante quem desviou materiais. 

Dos mais de 90% de capital nacional que detínhamos na banca ficamos com menos de 10%. 

Nenhuma empresa estratégica nacional se salvou na voragem da venda. 

Porque os mais desfavorecidos não dão manchetes nos media, passamos a ocupar o tempo com episódios de megaprocessos que têm como arguidos personalidades com poder. 

O Prof. Freitas do Amaral deu sentido à evidência sublinhando num escrito que não demos atenção ao sentido da  construção da nossa história jurídica e o Dr. António Cluny, disse que “o modelo que separa os investigadores do Ministério Público dos que vão à barra só existe na Sicília e, no caso, por razões de segurança necessária a esta região”. 

De entre várias originalidades criamos dois super juízes de instrução para megaprocessos, sendo inevitável que se pudessem perder em milhões de documentos que enchem centenas de dossiers. 

Não paramos a olhar o projeto no seu conjunto reparando em fissuras graves. 

Vamos legislar, agora, tarde, por proposta de um sindicato, que, por mais respeitoso que seja, não tem competências para fazer leis. 

No mais, concluímos que devemos voltar à reindustrialização do país, depois de vendermos setores industriais estratégicos a capitais estrangeiros. 

Temos, porém, potencialidades inesgotáveis para reforço da afirmação no mundo, se valorarmos a memória coletiva da nossa História. 

Indo às raízes da razão porque falamos a 4ª língua do mundo, a primeira do Atlântico Sul e uma das principais utilizadas na internet. 

Falar dela é falar do mar, fronteira dos países de língua portuguesa, por onde circula mais de 90% do comércio mundial e em breve com zonas marítimas exclusivas alargadas. 

Que potencialidades se passarmos a pensar para além da “espuma dos dias”! 

Devemos pôr a flecha mais alta do que está para alcançarmos objetivos que são óbvios e no domínio da CPLP termos em atenção o reforço da relação de pertença de todos os cidadãos a este grande espaço complementar da U.E. que cruza culturas invulgares. 

As duas funções soberanas do Estado, a Justiça e as relações externas, estão longe de esgotarem as fissuras que se abriram. 

É que a lógica economicista que passou a valorizar a economia como um fim e não como um instrumento da política, conduziu a omissões em domínios de outras funções soberanas. 

A omissão quanto ao sucedâneo da extinção do serviço militar obrigatório, que não foi criado, colocou-nos perante uma fissura que tem haver com a Defesa e a Segurança, tal como a omissão de um programa escolar coerente devia revisitar a nossa História, articulando-se com as exigências da preparação dos jovens neste mundo com grande evolução científica e tecnológica. 

Noutro plano a demografia impõe que o país não possa perder 20% da sua população a curto prazo, o que suscitaria consequências graves da exiguidade populacional. 

No mais, temos o combate por um desenvolvimento sustentável que, por respeitar à defesa da qualidade de vida, está para além de conceções reivindicativas redutoras. 

É neste quadro que domínios como a Saúde, a defesa do ambiente e a superação das assimetrias regionais são também prioridades. 

Reforçar a intervenção da sociedade civil é hoje uma obrigação de todos e essa contribuição deve ser prosseguida de forma patriótica com a consciência do significado deste conceito contrário a conceções nacionalistas, de uma erva que é daninha. 

Este objetivo deve ser prosseguido com a juventude perante quem todos temos o dever de recriar a esperança no futuro, numa logica intergeracional mas aprendendo com ela. 

Há na verdade uma causa maior que deve unir os portugueses, implicando isso a revisitação do projeto que nasceu numa manhã límpida e pura.

Analisando-o e com ele as fissuras que hoje apresenta, algumas delas graves. 

O futuro deve assentar na estratégia e daí este grito, que é de alerta.

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