terça-feira, 6 de julho de 2021

O Estado Crítico desta República

Meia-dúzia de notícias alinharam-se em recente edição do 'Correio da Manhã' (certamente por acaso mas, é sabido que o acaso faz muito bem as coisas) para dar uma síntese muito completa da situação desta República, do seu estado crítico.

Comecemos pela 'manchete' que, não sendo talvez a mais importante destas notícias, dá um retrato perfeito da situação de total dependência estratégica do País.

"Cheque da TAP Travado em Bruxelas", é a manchete. Travado ou, melhor, estagnado pelo gabinete de um burocrata qualquer, funcionário não-eleito e irresponsabilizável. Resumindo a coisa: Há já três meses que "Bruxelas" (seja lá isso o que for...) deveria ter dado "luz verde" ao plano de reestruturação da TAP. Mas ainda está a avaliar se o plano preenche as condições definidas nas orientações sobre auxílios estatais...

A questão aqui não é se o plano do governo para a TAP é bom ou é mau. Ou se é adequado ou desadequado. Há para isso tantas respostas quanto as infindáveis escolas e narrativas da economia. A questão é outra. É como "Bruxelas" (seja isso o nome do que for...) trata um Estado-Nação soberano. Soberano? Sim, soberano. A alta burocracia da UE e os "superiores desconhecidos" a que obedece parecem, contudo, não reconhecer a 26 Estados da UE o que reconhecem à Alemanha. E este é o problema de um Estado soberano colocado sob tutela de uma burocracia instalada em Bruxelas e que tem os seus "superiores desconhecidos" em Berlim a defender os seus próprios interesses nacionais. Alemães, claro. Deutschland uber alles, óbvio.

Uma pesada decisão estratégica, de impacto fortíssimo na economia nacional, tomada por um Estado-membro, está suspensa à espera da "luz verde" de uma burocracia não-eleita e irresponsabilizável. E nem sequer se sabe quando haverá resposta...

Não só de Bruxelas mas também de Francforte (sede do BCE) chegaram há uns anos pressões intoleráveis para "resolver" o caso BES de uma forma nunca antes ensaiada. Portugal, portanto, feito laboratório. Barato. Para fazer experimentações. O governo da altura e o então governador do Banco de Portugal portaram-se como uns serventes obedientes aos "masters". Resultado: aquilo que era um "buraco" de 1.3 mil milhões de euros, resolúvel na altura por menos do que isso com uma gestão política acertada (e que, obviamente, responsabilizasse criminalmente Ricardo Salgado e seus cúmplices, ver a lista na edição do CM de domingo, 20 de Junho) vai custar aos contribuintes mais de dez vezes o montante desse "buraco". E mais grave já nos custou também a implosão/destruição do sistema financeiro português e a nossa integração financeira no sistema espanhol (como parece que "Bruxelas" tinha decidido por sua iniciativa e à revelia de Portugal, mas certamente em sintonia com a Alemanha).

A leitura de uma investigação do jornalista Sérgio Azenha é muito esclarecedora sobre as disfunções, fragilidades e vulnerabilidades do Estado Português. Estado que não só não soube, quando o caso BES rebentou, "negociar" com Bruxelas e Francforte uma solução aceitável para os interesses nacionais portugueses (a situação da banca alemã é muito pior do que era a do BES...) como também não tinha sido capaz de detectar em tempo útil a aldrabice reinante no BES e tratar de a resolver (que andavam, durante tanto tempo, os nossos "serviços, as polícias e as magistraturas a fazer...?). Finalmente, também não foi capaz de gerir a implosão do BES e o seu cortejo de calamidades colaterais. Nem sequer de preservar um imprescindível (para o desenvolvimento do País) sistema financeiro nacional.

Um aspecto menor, mas muito revelador, na investigação de Sérgio Azenha, é a maneira como os "nossos" banqueiros se comportaram com Salgado quando este caiu em desgraça...

O "Correio" de Miguel Ganhão está cada vez mais "indiscreto", (página semanal às segundas-feiras). Nesta edição, ele revela, por exemplo, que o ex-patrão do SIRP está "ao serviço da China". Numa 'curta', diz Ganhão: "O ex-chefe das 'secretas', Júlio Pereira, foi escolhido para ser o primeiro presidente da recém-criada União das Associações de Cooperação e Amizade Portugal-China". Não sei porquê mas não consigo imaginar o senhor general Pedro Cardoso numa tal função.

Vector estratégico da política externa portuguesa, a Lusofonia está longe de andar bem. A CPLP está feita uma disfunção plena de alçapões por onde desaparece... o dinheiro.  "O que se passa com a gestão e com o orçamento da CPLP" pergunta Ganhão que refere, em seguida, vários casos de descaminho de verbas...

Depois de tudo isto, alguém se poderá admirar com os resultados da sondagem publicada também nesta mesma edição do CM: "PS desliza enquanto Chega passa o Bloco".

O título citado não revela tudo. O PS cai, nessa sondagem, uns três pontos (passa de 37,9% para 34,6%) mas esses pontos não vão para o PSD que apenas sobe umas sete décimas, menos que um ponto, passando de 21,7% para 22,4%. O processo de fragmentação eleitoral continua assim a sua progressão. O que tudo isto demonstra é uma dinâmica (imparável?) de perda de confiança do eleitorado nos partidos políticos. Esta perda de confiança tem sido algo ocultada pela confiança em líderes, como é o caso de António Costa que, nesta sondagem, se destaca como o "melhor líder", bem à frente de Rui Rio. Esta é uma situação muito crítica para a República que urge ser tratada.

Para uma visão "gráfica" da situação da República nada melhor do que a foto da bandeira nacional que o Ministério do Trabalho (na Praça de Londres) apresenta "de pernas para o ar". Saberá a senhora ministra daquele Ministério o significado de tal posição da bandeira? Pode-se duvidar... Mas aqui vai: "Hastear a bandeira invertida significa que o território foi tomado pelo inimigo".

Para fechar esta ‘ronda’, voltemos à página de Miguel Ganhão que (também) assinala a "partida para as eleições no GOL", com Carlos Vasconcelos, advogado de Guimarães, a ser o primeiro candidato anunciado para substituir Fernando Lima à frente do GOL, diz a notícia.

E ainda há quem chame a referida instituição de "associação secreta"? Francamente...! Sim, há sociedades secretas em Portugal, algumas seculares, outras menos, algumas mais activas e outras mais ‘adormecidas’, mas dessas nem o cheiro chega às páginas do “Correio” e nem aqueles que chamam o GOL de “sociedade secreta” têm a mínima ideia da sua existência. E, se alguém referir a possibilidade da sua existência, logo a referida mandará dizer que não existe…

Lúcio Salvador Vicente

Lisboa, 04 Julho 2021

 

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