terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Angola, o Ministério Público e uma pergunta de Paris

Há dias em Paris, um cafezinho com bolinhos acabados de sair do forno, numa esplanada aquecida, mesmo em frente da Lipp (às tantas até me pareceu ver o fantasma do Mitterrand, de sobretudo, chapéu e cachecol, a dirigir-se para lá, mas não, não era ele, este era um pouco mais alto ou menos baixinho). Sentado à minha frente, um amalandrado e bem-humorado, mas letal, especialista de guerra económica. A conversa divaga.


Estamos a falar há uma boa meia-hora e ainda não percebi o que ele realmente quer com esta reunião. Apostei comigo mesmo que, depois de andar pela Europa, Ásia Central e Américas, a conversa iria “aterrar” em África. A empregada, uma trintona belíssima, traz-nos mais uns bolinhos “encore chauds” e esta intrusão interrompe o saltitar da conversa que estava no Cáucaso.

Quando a senhora do tabuleiro se retira, com um belo sorriso, ele olha para mim, enquanto trinca um dos bolinhos, com um deliciado ar sorridente, e atira: “Então, meu caro, quem foi o génio que teve a ideia de contratar o vosso “Ministério Público” (é assim que se diz não é...?) para nos abrir as portas de Angola...? Vamos ter ainda de resolver o problema da Espanha mas vocês é que eram o perigo e agora já estão fora da corrida... Mas, diz-me lá, quem foi esse génio?”

Aproveitei para agarrar um dos bolinhos, levá-lo à boca e, dadas duas trincadelas, responder-lhe com o ar mais beatífico que consegui arranjar, “sabes, amigo, o nosso Ministério Público (sim, é assim que se diz) nem precisa ser contratado, faz estes “serviços” por iniciativa própria... mas vocês, a tua empresa, pessoas inteligentes, educadas e civilizadas, deveriam mandar um enorme ramo de rosas à PGR... ficava-vos bem, se quiseres dou-te o endereço”. Riu-se, bem disposto. “Pensamos abrir uma representação em Lisboa, não um escritório só uma representação, nessa altura, mandamos as flores, fica tranquilo...”.


A jovem “balzaquiana” trouxe-nos a conta, fiz questão de pagá-la e enquanto ela nos brindava com um sorridente “merci, messieurs, au revoir” fomos saindo. Ele virou para o lado da rue de l’Université e eu fui andando em direcção a Notre Dame com um objectivo bem definido, ir ao meu spot/stop preferido desde há décadas, para comer uma magnífica sandes de “paté de campagne” acompanhada de uma guiness bem “esmaltada” e à temperatura ambiente. Questão de confortar a alma...

Ao descer o Bd. Saint-Germain, ia pensando como a estupidez é ainda rainha em Portugal. E como é isso que faz de nós os pobrezinhos que somos. E faz a riqueza de quem sabe aproveitar-se da nossa burrice...

Quando cheguei ao destino, lembrei-me que tinha ganho a aposta que fizera comigo mesmo: a conversa fora, de facto, “aterrar” a África. E, afinal, o que ele queria era, por antecipação, informar-me dos projectos que a sua "boite", agora com a África lusófona no horizonte imediato, tem para Lisboa. "Conta connosco lá em baixo", foi a mensagem. "Ok, mas não te esqueças de mandar as flores a quem te abre mercados...", foi a última coisa que pensei antes do empregado, um velho conhecido berbére marroquino, me saudar com um amistoso "tout va bien?". Sim, claro, "tout va bien"... 

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