quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Como o KGB inventou as ‘fake news’ ou a escola russa da guerra de informação


“Não simples ‘bullshit’ mas o mais tóxico ‘bullshit’ que se possa imaginar... capaz de mudar a percepção da realidade de cada americano...” Apresentada assim por um dos seus responsáveis, a coisa começa a ganhar contornos sérios. Na realidade, foi (é...) terrivelmente séria.


A “operação infektion”, caso analisado no vídeo, não foi, porém, ao contrário do que diz esta peça do NYT, o momento da invenção das “fake news” mas, sim, o momento em que Washington tropeçou nelas com grande estrondo. O que é um pouco diferente. A dita operação passou também por Lisboa mas as coisas aqui não lhe correram bem.

A minha história com essa operação passa-se no “Tempo”, cuja redacção era na altura dirigida pelo António Ribeiro Ferreira. Uma bela tarde, uma jovem redactora, recém-licenciada no ISCSP e que mais tarde viria a trabalhar na ‘comunicação’ de governos do PSD (o de Passos Coelho, por exemplo), chegou à minha secretária com dois ou três ‘linguados’ que acabara de escrever ('linguados' eram as folhas A4 em que as prosas eram escritas à máquina) e disse-me “está aqui uma história curiosa sobre a origem da Sida...”


Logo no segundo ou terceiro parágrafo, era referida a “fonte” (pelo que não tive de ler mais...) da sensacional ‘notícia’: a agência Novosti que citava um jornal sudanês! Amarrotei os ‘linguados’, fiz uma bola com eles e encestei-os no caixote do lixo. “A menina sabe que agência é essa que cita...? Não lhe falaram dela lá no ISCSP?” Não sabia e nem lhe tinham falado. Expliquei-lhe. “Desculpe, chefe. Não se volta a repetir.”

No dia seguinte, telefonei para a embaixada dos Estados Unidos e pedi para falar com um assessor de imprensa. Fui atendido pelo senhor Arnaldo Neto. Expliquei que tinha recebido um ‘take’ da Novosti que acusava os Estados Unidos de terem ‘inventado’ a Sida no âmbito da guerra bacteriológica. Como reagiam a isso? Que respondiam? “Não conheço. Vou procurar e já lhe ligo.” E ligou uma hora depois.

“Pode apontar? Vou dar-lhe o nome e o telefone de alguém em Washington que o poderá esclarecer.” E que realmente esclareceu. Foi o meu primeiro contacto com uma história real da Dezinformatsiya que até aí eu só conhecia do romance de Vladimir Volkoff  “Le Montage”, o primeiro a falar ao público da matéria, numa obra que é (ainda hoje) uma autêntica ‘biblia’.


Ler “Le Montage” continua a ser imprescindível para entrar no âmago da escola russa de guerra de informação (que dá primazia aos conteúdos, ao contrário da escola americana que privilegia as “canalizações”...) e das suas operações, das diversas categorias dos seus agentes e dispositivos e da sua lógica estruturante.

O “Tempo” publicou, dias depois das conversas referidas, uma história que fazia a desmontagem completa do tal ‘take’ da Novosti que citava o jornal sudanês... E foi assim que (como se pode ver no mapa abaixo) a coisa não pegou em Portugal e nem o Expresso a publicou... Encontrar agora no New York Times a história da operação e os seus promotores, confesso-o, fez-me sorrir.


Meet the KGB Spies Who Invented Fake News


By ADAM B. ELLICK, ADAM WESTBROOK and JONAH M. KESSEL | Nov. 12, 2018 | 15:37


We reveal how one of the biggest fake news stories ever concocted — the 1984 AIDS-is-a-biological-weapon hoax — went viral in the pre-Internet era. Meet the KGB cons who invented it, and the “truth squad” that quashed it. For a bit.





Related: 

https://www.nytimes.com/video/opinion/100000006210828/russia-disinformation-fake-news.html

Sem comentários:

Enviar um comentário

Acabou a ilusão globalista... A geopolítica volta a governar o mundo

Durou 3 décadas o tempo da “globalização feliz”, abriu-se em Berlim e fechou-se em Moscovo. Começou com a queda de um muro e acabou com uma ...