“Não simples ‘bullshit’ mas o mais tóxico
‘bullshit’ que se possa imaginar... capaz de mudar a percepção da realidade de
cada americano...” Apresentada assim por um dos seus responsáveis, a coisa começa
a ganhar contornos sérios. Na realidade, foi (é...) terrivelmente séria.
A “operação infektion”, caso analisado
no vídeo, não foi, porém, ao contrário do que diz esta peça do NYT, o momento da invenção das “fake news” mas, sim, o
momento em que Washington tropeçou nelas com grande estrondo. O que é um pouco
diferente. A dita operação passou também por Lisboa mas as coisas aqui não lhe
correram bem.
A minha história com essa operação
passa-se no “Tempo”, cuja redacção era na altura dirigida pelo António Ribeiro
Ferreira. Uma bela tarde, uma jovem redactora, recém-licenciada no ISCSP e que
mais tarde viria a trabalhar na ‘comunicação’ de governos do PSD (o de Passos
Coelho, por exemplo), chegou à minha secretária com dois ou três ‘linguados’ que acabara de escrever ('linguados' eram as folhas A4 em que as prosas eram escritas à máquina) e disse-me “está aqui
uma história curiosa sobre a origem da Sida...”
Logo no segundo ou terceiro parágrafo,
era referida a “fonte” (pelo que não tive de ler mais...) da sensacional ‘notícia’:
a agência Novosti que citava um jornal sudanês! Amarrotei os ‘linguados’, fiz
uma bola com eles e encestei-os no caixote do lixo. “A menina sabe que agência
é essa que cita...? Não lhe falaram dela lá no ISCSP?” Não sabia e nem lhe
tinham falado. Expliquei-lhe. “Desculpe, chefe. Não se volta a repetir.”
No dia seguinte, telefonei para a
embaixada dos Estados Unidos e pedi para falar com um assessor de imprensa. Fui
atendido pelo senhor Arnaldo Neto. Expliquei que tinha recebido um ‘take’ da
Novosti que acusava os Estados Unidos de terem ‘inventado’ a Sida no âmbito da
guerra bacteriológica. Como reagiam a isso? Que respondiam? “Não conheço. Vou
procurar e já lhe ligo.” E ligou uma hora depois.
“Pode apontar? Vou dar-lhe o nome e o
telefone de alguém em Washington que o poderá esclarecer.” E que realmente
esclareceu. Foi o meu primeiro contacto com uma história real da Dezinformatsiya
que até aí eu só conhecia do romance de Vladimir Volkoff “Le Montage”, o primeiro a falar ao público da
matéria, numa obra que é (ainda hoje) uma autêntica ‘biblia’.
Ler “Le Montage” continua a ser imprescindível para
entrar no âmago da escola russa de guerra de informação (que dá primazia aos
conteúdos, ao contrário da escola americana que privilegia as “canalizações”...)
e das suas operações, das diversas categorias dos seus agentes e dispositivos e
da sua lógica estruturante.
O “Tempo” publicou, dias depois das
conversas referidas, uma história que fazia a desmontagem completa do tal ‘take’
da Novosti que citava o jornal sudanês... E foi assim que (como se pode ver no
mapa abaixo) a coisa não pegou em Portugal e nem o Expresso a publicou...
Encontrar agora no New York Times a história da operação e os seus promotores,
confesso-o, fez-me sorrir.
Meet the KGB Spies
Who Invented Fake News
By ADAM B. ELLICK, ADAM WESTBROOK and JONAH M. KESSEL |
Nov. 12, 2018 | 15:37
We
reveal how one of the biggest fake news stories ever concocted — the 1984
AIDS-is-a-biological-weapon hoax — went viral in the pre-Internet era. Meet the
KGB cons who invented it, and the “truth squad” that quashed it. For a bit.
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News
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