JM
Lição que Jorge de Sena finaliza com uma
explicação das realidades dos Estados Unidos (onde foi prof. catedrático em
várias universidades), como só ele tinha o conhecimento e a coragem para fazer.
Para quem se interessa por conhecer e perceber as décadas de meados do nosso
século XX é imprescindível ouvir (e re-ouvir) esta entrevista de Sena a
Leite de Vasconcelos, da Rádio Moçambique, em 1972. Ouvi-lo é também um excelente
modo de comemorar os 100 anos do nascimento deste homem que estava indicado para
ministro das Obras Públicas (ele era engenheiro) se certo golpe militar contra
Salazar, no final dos anos 40, tivesse triunfado, mas cujo fracasso acabou por
levá-lo ao exílio (primeiro no Brasil e depois nos Estados Unidos) e a uma
exclusiva dedicação às letras (tal como o homem que escolhera para seu chefe de
gabinete foi dedicar-se às letras e à história na Sorbonne). Autor de uma
vastíssima e multifacetada obra (hoje demasiado desconhecida...), Sena inovou
em tudo o que fez: prosa, poesia, teatro, ensaio e crítica literária (notáveis
são os seus trabalhos sobre Pessoa e Camões). “O Reino da Estupidez” e “Peregrinatio
ad loca infecta” foram das primeiras coisas que li dele e que nunca mais
esqueci... Sena
nasceu há 100 anos (em Lisboa) e morreu (na Califórnia) há quase 42 anos mas a lição
da sua vida e obra está bem viva e continua como um grande activo da cultura
portuguesa. Um activo imprescindível. Se a agarramos, integramos e inscrevemos
nestes tempos, se temos a inteligência e a coragem que ela implica, é outra
história, não já de Sena mas nossa.
Entrevista aqui: https://www.rtp.pt/play/p321/e436629/a-forca-das-coisas?fbclid=IwAR0I9DKCo9gRcd-VencFZddW2XyRkgbaS0lsMNXJkHPiyxesCESUddltPa8
Sena: “Tiveram
todos culpa...”
“Tiveram todos culpa no chegar-se a isto:
infantilmente doentes de esquerdismo
e como sempre lendo nas cartilhas
que
escritas fedem doutras realidades,
incompetentes competiram em
forçar
revoluções, tomar poderes e tudo
numa ânsia de cadeiras, microfones,
a terra
do vizinho, a casa dos ausentes,
e em moer do povo a paciência e os olhos
num
exibir-se de redondas mesas
em televisas barbas de falácia imensa.”
Poema de Sena
dedicado a Édith Piaf:
“Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou
docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias
santas do “ça ira”,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos
perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que
só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas
da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a
traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como
exactamente a vida que os outros continuam vivendo
(...) como melodias
valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.”
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