As Forças Armadas
encontram-se em “pré-falência” e já lhes faltam os meios para cumprir missões
atribuídas pelo poder político.
Esta situação foi
agora levada ao conhecimento do Presidente da República e Comandante Supremo
das Forças Armadas, como noticia o Diário de Notícias, “por quatro
oficiais-generais, entre os quais três ex-chefes do Estado-Maior: Manuel
Taveira Martins, ex-chefe do Estado-Maior da Força Aérea, José Pinto Ramalho,
ex-chefe do Estado-Maior do Exército, e Fernando Melo Gomes, ex-chefe do
Estado-Maior da Armada - o quarto general é Luís Sequeira, ex-secretário-geral
do Ministério de Defesa Nacional (MDN) – (que) assinaram a carta de alerta dirigida ao Presidente da República.
“Na missiva, a que
o DN teve acesso, os oficiais-generais justificaram a iniciativa por estarem a
assistir "com preocupação ao contínuo processo de degradação das Forças
Armadas e ao consequente aumento das vulnerabilidades do sistema de defesa
nacional e da posição do país no quadro das alianças que integra".
A peça do DN, da
autoria de Valentina Marcelino, sumariza as dez
razões apontadas pelos generais, todos dirigentes do GREI - Grupo de Reflexão Estratégica
Independente, para o estado a que chegou o nosso principal instrumento e
garante da soberania nacional:
1 - Reforma de Defesa
2020 - consequências altamente gravosas
Segundos os generais, a reforma estrutural iniciada em
2013 designada "Defesa 2020 teve "resultados muito aquém dos
objetivos propostos" e daí resultaram "consequências altamente
gravosas que urge reverter". Esta reforma, decidida nos anos da troika
pelo governo PSD-CDS, pretendia "obter ganhos de eficiência, economias de
escala e vetores de inovação" e, principalmente, "racionalizar a
despesa". Mas a partir daí, sublinham estes oficiais superiores, "as
reformas passaram a privilegiar a redução de despesa como um fim em si mesmo,
quase sempre com prejuízo de critérios de racionalidade económica e
militar".
Assistiu-se a "cortes aleatórios nos orçamentos e
nos efetivos, à alienação e abandono de infraestruturas, ao cancelamento de
programas de reequipamento em curso e à venda de equipamentos sem se proceder à
indispensável substituição".
2 - Dificuldades de
sustentação e manutenção
Os generais alegam que as despesas com pessoal e
operação e manutenção "têm estado abaixo dos montantes" considerados
necessários para "garantir a prontidão operacional". Por isso
"têm crescido as dificuldades de manutenção e a sustentação no âmbito
geral das Força Armadas, com maior incidência na Marinha e na Força Aérea,
pelas características dos meios que operam".
O "calendário e fluxos financeiros" da Lei
de Programação Militar (LPM), sublinham, "sofrem frequentes
descontinuidades em resultado de cativações, de deduções, de transferência de
saldos e, em certos casos, de dificuldades associadas à complexidade técnica e
administrativa dos processos".
De acordo com esta avaliação, a "conservação,
manutenção, segurança, modernização e edificação de infraestruturas" têm
sido "insuficientemente realizadas". Há "graves deficiências a
nível da habitabilidade e funcionalidade de muitas infraestruturas".
Recentemente, a Marinha perdeu o seu único navio
reabastecedor, limitando assim as suas capacidades operacionais às
águas nacionais.
3 - Recursos humanos:
situação "insustentável"
Na reforma Defesa 2020, aprovada em 2013, previa-se um
efetivo nas Forças Armadas de 30 a 35 mil. Porém, no final da década passada
(2018-2019), o número de militares estava 30% abaixo desse valor e no caso do
Exército era de 50%. "São mínimos nunca verificados nas Forças
Armadas", salientam os generais.
Quanto à falta de efetivos, a "situação nas
Forças Armadas em geral é grave, mas no caso particular do Exército é de
emergência institucional". Os generais lembram que "uma unidade do
Exército só se considera passível de emprego operacional quando o seu potencial
de combate, em pessoal e material, se encontra acima dos 75%".
A situação que se vive é "insustentável e já
compromete o cumprimento de algumas missões atribuídas". Tem vindo a
"crescer um clima geral de mal-estar, de insatisfação, de saturação e de
injustiça relativa", levando a que "um número crescente de
militares" abandonem "precocemente as fileiras".
4 - Estatuto penalizador
As alterações a que foi sujeito o estatuto dos
militares das Forças Armadas penalizaram "os fatores influenciadores da
carreira, principalmente em relação aos que estão no ativo - nomeadamente na
passagem à reserva e à reforma, no condicionamento das promoções e na
consequente progressão na carreira".
5 - Condição militar
descaracterizada
O conceito de condição militar, definido na lei desde
1989, "tem vindo a ser descaracterizado de tal forma que hoje não passa de
um slogan que objetivamente penaliza os militares.
6 - Salários desajustados
Os generais dizem que o sistema remuneratório dos
militares das Forças Armadas "tem sofrido um progressivo desajustamento em
relação a outros setores da administração pública equiparáveis, quer no leque
salarial, quer nas condições de reforma, quer na remuneração dos cargos de topo
na carreira".
7 - Qualificações
desvalorizadas
De acordo com a análise dos generais, têm
"acentuado" a "tendência para desvalorizar as qualificações dos
militares em relação a funcionários civis". Dão como exemplo "o
progressivo afastamento de militares dos cargos superiores do Ministério da
Defesa". Recorde-se a recente nomeação do
chefe de gabinete do ministro da Defesa para um cargo superior
naquele ministério.
8 - Sistema de saúde
militar em crise
Há vários problemas "de vulto" identificados
pelos jornais no sistema de saúde militar. O Hospital das Forças Armadas, por
exemplo, "continua a ser afetado por insuficiência de recursos humanos, de
valências e de infraestruturas que o impedem de garantir
com eficácia a suas finalidades".
No entender dos generais, a reforma realizada
"piorou as condições de assistência dos militares e das suas famílias, sem
qualquer poupança de recursos materiais e humanos".
No que diz respeito ao Instituto de Ação Social das Forças
Armadas, "tem uma dívida acumulada de várias dezenas de milhões de euros, por lhe ter sido atribuída
a responsabilidade pelos custos da assistência na doença aos militares (ADM)
sem a correspondente contrapartida.
9 - Chefias militares
perderam poder
Os oficiais-generais indicam também como ponto
negativo para a situação das Forças Armadas o facto de - na sequência das
alterações verificadas no processo da justiça e da disciplina militar,
"bem como medidas avulsas que limitam a liberdade e a manobra das chefias
militares no domínio administrativo e financeiro" - existirem
"reflexos negativos a nível do comando da hierarquia e da disciplina e,
portanto, na eficácia e eficiência militar".
10 - Redes paralelas e
fenómenos inorgânicos
Toda a situação descrita "tem vindo a fomentar a
utilização, por um número crescente de militares, de redes paralelas e horizontais
de associação e de informação utilizando o espaço digital". O resultado é
"o enfraquecimento da cadeia hierárquica - política e militar - e a
emergência de condições favoráveis ao aparecimento de fenómenos
inorgânicos". Recorde-se por exemplo o
"movimento zero" das Forças Armadas.
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