José Mateus
O modelo global
saído da II Guerra Mundial (e em que ainda, por enquanto, vivemos) tem (ou
tinha...) características próprias e inéditas. Tudo isto está, porém, morto ou moribundo.
Para clarificação do que aqui se fala, destaquem-se três
dessas características: primo, os USA financiavam o sistema global (tendo para
isso de se endividar); secondo, os USA garantiam e pagavam a segurança global
do sistema e, portanto, o seu funcionamento; tertio, os USA abriam totalmente o
seu mercado interno aos derrotados da II Guerra (Alemanha, Japão, etc.)
garantindo assim a sua recuperação e desenvolvimento.
Claro que o Estado americano é, como todos os Estados,
um “monstro frio” e, portanto, não foi por simples altruísmo que montou um
sistema com estas características.
Fê-lo por considerar que essa era uma forma
interessante de garantir a defesa dos interesses nacionais norte-americanos. E,
antes de mais, os seus interesses geopolíticos no enfrentamento bipolar com a
(falecida) União Soviética, naquilo que se chamou de Guerra Fria.
Desaparecido o quadro geopolítico em que o sistema fora
criado, as lideranças políticas em Washington levaram anos a interiorizar as
mudanças verificadas e a conseguir analisá-las, tirar conclusões e agir em
consequência. O “11 de Setembro” funcionou aqui como um factor de reforço do adiamento
dessas conclusões, servindo para desviar atenções para questões que, sendo
dramáticas, não eram as mais importantes. Se Bin Laden não foi pago, por algum
interessado, para isso, bem o poderia ter sido...
É nestes anos de hesitações e escassa clareza
estratégica de Washington que a China (depois de obter com Clinton a sua
entrada na OMC) se fortaleceu, através de uma estratégia geoeconómica
nacional-mercantilista, e ganhou músculo para procurar ocupar o lugar da União
Soviética como o grande perturbador continental do sistema e desafiar a
potência marítima garante do sistema, os USA.
Com modos de elefante em loja de porcelanas, Trump
olhou para todo este quadro e considerou que este sistema global já não
defendia os interesses nacionais norte-americanos, se tinha tornado
disfuncional e que, portanto, não havia razões para que tudo continuasse na
mesma e os USA pagassem uma coisa que não lhes servia.
Trump soube ainda encontrar uma eficaz narrativa
política para comunicar com o eleitorado e garantir o apoio de uma maioria (ou
da maior minoria) da opinião pública americana.
O que Trump está a fazer não é uma mera guerra
económica com a China (ou outros), não é sequer um rearranjo de alianças. É
muito mais do que isso. É a construção de um novo modelo para o sistema global.
E é, neste processo, nas suas guerras políticas, económicas e militares, mais
ou menos híbridas, que se vão definir as novas alianças e suas formas.
A imensa ambição e a avidez de poder da China colocaram
Pequim na posição que outrora (entre 1945 e 1990) foi a de Moscovo, a posição de
líder das potências continentalistas desafiando a hegemonia da potência
marítima. Teria funcionado no quadro construído no pós-II Guerra. O tal quadro
que Trump dá mostras de considerar que já não serve... O coronavírus e a
guerra-espectáculo da 5G, por maior que seja o seu impacto, são meros epifenómenos
neste cenário.
Como diria “o camarada Mao”, a contradição principal da
situação governa todo o resto. E Mao não hesitaria (mesmo que o não dissesse,
como era seu hábito...) em identificar como contradição principal do presente o
enfrentamento China-USA. Tal como não hesitaria em tipificar essa contradição
principal como uma “contradição com o inimigo” (e não como uma “contradição no
seio do povo”).
Leiam (ou releiam) o “Da Contradição” e vejam o que o “camarada
Mao” diz da resolução das contradições com o inimigo. O Xi Jinping já leu e
releu...
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