Ninguém no século XX procurou sondar e penetrar os arquétipos da alma portuguesa como António Telmo. O lado invisível desta entidade que é Portugal foi para Telmo uma avenida por onde ele se passeava à descoberta... A realidade simbólica de Portugal tem em Telmo um incansável pesquisador e descobridor. Leitura, portanto, de decisiva importância para alguém que queira ver para além do que está à vista, que queira descobrir os chamados "segredos" e encontrar os arquétipos.
De "segredos", num outro plano e num outro registo e também com algumas graves lacunas, é outra "releitura" interessante para perceber um fenómeno, de longo alcance, cujo início é coevo do nosso D. Diniz, que nele teve uma acção decisiva. Os autores europeus, regra geral, ignoram ou substimam essa acção do nosso esclarecido rei... Aqui também não escapam a essa regra. Uma razão mais para fazer esta "releitura". Tentar perceber a percepção que estes europeus têm de Portugal e do seu papel e como é que se pode explicar a existência de tais limitações.
Jaime Cortesão é um investigador da história potuguesa a que é necessário regressar periodicamente. Viajante, por gosto mas também muito pela força das circunst âncias, Cortesão viveu em Espanha, em Paris e no Brasil boa parte da sua vida. Talvez, por essa sua peregrinação, é dos primeiríssimos ou mesmoo primeiro dos historiadores portugueses a ter a percepção da fulcrl importância da geopolítica, da geoeconomia e até da "inteligência" (vidé os seus trabalhos sobre a "política do segredo"). Esta edição de que dispomos tem um magnífico prefácio (datado de 1964) do grande mestre Vitorino Magalhães Godinho (outro português parisiense...) que, entre outras magníficas notas, refere a influência do belga Henri Pirenne na bra de Cortesão. Permitimo-nos um acrescento: se Cortesão conheceu o trabalho do pai Pirenne (Henri), é uma imensa pena que não tenha tido a oportunidade de ler o filho Pirenne (o Jacques) cujas "Grandes Correntes" começam a sair em 1943 na Suíça, em plena I Guerra e quando Cortesão já está pelo Brasil. "Os Factores Democráticos na Fomação de Portugal" fornecem elementos importantíssimos para a construção de uma boa grelha de leitura da história portuguesa.
Da corrente francesa da história económica e social, de cujos alvores Cortesão participou, vem a surgir mais tarde o grande Braudel que fornece um quadro teórico e conceptual que ajuda a compreender Cortesão. Em 1976, Braudel foi convidado pela Universidade John Hopkins para fazer três conferências sobre "material civilization and capitalism". Dessas conferências nasceu a pequena obra "La Dynamique du Capitalisme" que muito mais que coisa que se recomende é de (re)leitura obrigatória. Braudel, por antecipação, acaba aí de vez com a apologética discursata alemã e germanófila e com essa vulgaridade que é o "catecismo" neo-liberal.
Para além de imprescindíveis, ou seja, necessárias e suficientes, para acabar com estas vulgatas, as três conferências na John Hopkins são ainda uma muito bem conseguida introdução à grande obra do mestre surgida três anos depois "Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme". Mas, sobretudo, são a destruição (por antecipação) dos pretensos fundamentos teóricos do que viria a ser a vulgata neo-liberal, papagueada por todos os "analistas" de pacotilha que poluem o universo político-mediático. Cortesão, certamente, teria adorado ler estas conferências.
"Brave New War - The next stage of terrorism and the end of globalization", de John Robb, saído há uma boa dúzia de anos, merece uma "releitura" anual para comparar a evolução do "next stage of terrorism and the end of globalization" com o cenário prospectivo avançado por John Robb. E ver como evolui a convergência "next stage of terrorism" e o "end of globalization". Convergência que o John foi o primeiro a estabelecer.
Análise detalhada, minuciosa, impiedosa, organizada e super bem informada (o acumulado de referências é de cortar a respiração) ao "next stage of terrorism" é a do investigador Alexandre del Valle, no seu "La stratégie de l'intimidation". Del Valle procura ir à raíz do terrorismo islamista, desvendar-lhe os arquétipos, mostrar as suas imperiosas lógicas letais e fazer a demonstração de como o Ocidente ainda não conseguiu identificar realmente este inimigo e daí não conseguir enfrentá-lo eficazmente e derrotá-lo. Bem pelo contrário... Lido, pela primeira vez, há dois anos, este "La stratégie de l'intimidation" tem agora uma primeira releitura que está a permitir descobrir uma história do Al-Andalus sobre a qual, na primeira leitura, se tinha passado "como gato sobre brasas" pois o que mais interessava então era a função do mito Al-Andalus na narrativa mobilizadora do jihadismo.
Anos depois de Robb ter publicado "Brave New War" que anunciava "the end of globalization", Jacques Sapir, economista, director de estudos na École d'Hautes Études en Sciences Sociales e prof. na Universidade de Moscovo, publicava "La Démondialisation", onde procura demonstrar que a "globalização", nascida nos anos 70, foi um momento que produziu uma globalização financeira e uma financiarização das economias, teve o seu apogeu mas esgotou-se e está a acabar. Quem está a fazer esta releitura faz notar que não gosta do termo "desmundialização" porque, facilmente ele dá a imagem de que a globalização era (é...) um tricot que agora se "destricota". Uma imagem demasiado simplista e enganadora. E, nesse sentido, falsa. Há realmente uma fragmentação do aparato da globalização mas não há um "destricotar", seria mais profícuo referir a existência de um dinâmico e forte processo de fragmentação. Em curso, obviamente.
Este retomar dos seus direitos pela história, a política e as nações que a "desglobalização" de Sapir anuncia leva-nos a 1919, a retomar o velho Mackinder e o seu "Democratic Ideals and Reality". E daqui ao "The Tragedy of Great Power Politics" é um pequeno passinho. Passinho para uma tragédia inevitável... É aí que estamos.