domingo, 27 de dezembro de 2020

Leituras nestes dias de "Boas Festas" (quando o "chinavirus" comemora o seu primeiro aniversário)

São leituras mas também releituras, revisões e um pouco mais.

Há muitos anos, por exemplo, que ninguém da equipa “intelNomics” pegava nos "Escritos Militares" de Mao, excepto talvez apenas no "Da Guerra Prolongada". Pois bem, está na altura. Mao fundou a matriz do pensamento militar do Partido Comunista Chinês e do seu Exército Popular de Libertação, logo da actual República Popular da China.

Quando se tornou claro para toda a gente (chineses incluídos) que o PCC e a RPC se assumem já como o challenger na disputa da hegemonia global contra os Estados Unidos (e, portanto, se afirmam como a segunda superpotência mas já candidata a primeira...) e quando já é claro que pretendem substituir a actual hegemonia marítima por uma hegemonia continentalista, está na altura de revisitar Mao e os seus escritos.

Revisitar Mao e com a sua obra matricial confrontar, por exemplo, o trabalho dos coronéis chineses (datado de 1999), o já famoso "Unrestrited Warfare" (“written by two PLA air force political officers, Senior Col Qiao Liang and Senior Col Wang Xiangsui” e sobre o qual escrevemos, no 'Diário de Notícias', na altura que apareceu a tradução em inglês, cremos que em 2002).


Al Santoli aponta, na introdução à edição em inglês, uma estranha coincidência: "on pages 121-122 of 'unrestricted warfare' you find that China's military planners predicted attacks on the World Trade Center by terrorist groups some three years before September 11, 2001. In the same paragraph, Osama bin Laden is named as "as one of the likely perpetrators" ... The passage is remarkable in that “unrestricted warfare” was published in 1999 by the People's Liberation Army literature and Arts publishing house-more than three years before the Sept 11 attacks."

Mas, ao fazer estas confrontações, não se pode esquecer o fundamento da cultura estratégica chinesa. E, não, não é à obra de Sun Tsu que nos refirimos, embora ela tenha a sua importância. É aos, entre nós, pouco conhecidos, (creio que nem há tradução em português) mas muito influentes na cultura  político-militar dos comunistas chineses, "Les 36 stratagèmes: traité secret de stratégie chinoise".

Sobre o "grande jogo" dos comunistas chineses e os seus estratagemas, um dos europeus que melhor conhece a China e melhor a sabe "ler" escreveu, nos últimos anos algumas notas muito interessantes e deu algumas entrevistas (a imprensa escrita mas também audio-visual).

É imprescindível ver atentamente estas "leituras" do ex-maoista (dos anos 60/70) e actual "papa" da inteligência económica e, claro, da guerra económica, o nosso velho amigo Christian Harbulot que há muito tem estudado a fundo tanto as concepções chinesas de estratégia como as suas práticas. (Ver, por exemplo:  L’Europe est dans une «posture suicidaire à terme» dans ses relations avec Pékin” ; “Harbulot décrypte pour Atlantico la stratégie de la Chine pour projeter sa puissance” ; "Les Chinois en ont trop fait pour masquer leurs responsabilités" ; “La Chine est-elle devenue une puissance nocive?” ; “Christian Harbulot Desencripta o Jogo de Pequim “ ; "Stratégie Indirect et Matrice Culturelle Chinoise - Réflexions autour du Traité de l'Efficacité"...)

O grande jogo dos comunistas chineses inspira-se, claro, do jogo do "Go" (designação japonesa por que é conhecido) ou, como Mao preferia designá-lo, numa manifestação nacionalista, "Wei Chi" (game of Go and the chinese word for "crisis"). Olhando para o tabuleiro global em que o PCC desenvolve o seu "wei-chi", outras leituras surgem como necessárias.

Por exemplo, "A Vingança da Geografia", de Robert Kaplan (e se outras razões não houvesse bastaria a de procurar saber como a potência marítima vê o mundo actual e com que lentes...). Mas também as notas dos últimos anos de John Robb e ainda o seu clássico "Brave New War" com os conceitos de "disruption" e de "systempunkt disruption". (Ver, por exemplo: Partial vs. Complete System Disruption ; Cascade-based attacks on complex networks ; Cascading System Failure ; Basic Systems Disruption ; War Nerd: How the IRA Used Systems Disruption...).


Finalmente, mas não menos importante, uma pequena mas profunda introspecção, um olhar para o que somos nós e a nossa liberdade e como criámos, na segunda metade do século XVII, este conceito de liberdade que iria ser determinante na evolução nossa e do mundo.

Falamos, é evidente, de Bento de Espinosa (o filho de uns alentejanos emigrados, por estúpidas razões religiosas, para a Amesterdão do século XVII) e do seu grupo amigos e partners em que não se pode deixar de incluir um homem da geração anterior, o filósofo português Uriel da Costa, também exilado pelas mesmas bandas.

Uriel d'Acosta instructing the young Spinoza, by Samuel Hirszenberg


Maxime Rovère oferece, no seu “Le clan Spinoza – Amsterdam, 1677, l’invention de la liberté”, uma fabulosa panorâmica do teatro de luta deste grupo, o clan Espinosa, contra a intolerância reinante e pela invenção da liberdade.


A 19 deste mês, ao finalizar o ano, a equipa “intelNomics” iniciou este programa de “leituras e revisões”, como uma espécie de balanço deste ano atípico, contando terminá-lo até 4 do próximo Janeiro, quando o disruptivo e disruptor “coronavirus” completa o seu (oficial...) primeiro aniversário. Convidamos os nossos amigos e leitores a dar a sua própria vista de olhos pelas componentes do ‘programa’ e para isso aqui o apresentamos.

Boas leituras e que 2021 seja marcado pelo que mais se precisa: resiliência, inteligência e estratégia.

 

 

 

 

 

 

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